terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Deus

Eu me lembro! Eu me lembro! - Era pequeno
E brincava na praia; o mar bramia,
E, erguendo o dorso altivo, sacudia,
A branca espuma para o céu sereno.
E eu disse a minha mãe nesse momento:
"Que dura orquestra! Que furor insano!
Que pode haver de maior do que o oceano
Ou que seja mas forte do que o vento?"
Minha mãe a sorrir, olhou pros céus
E respondeu: - Um ser que nós não vemos,
É maior que o mar que nós tememos,
Mais forte que o tufão, meu filho, é Deus!
Casimiro de Abreu

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O Mundo é Grande


O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.


Carlos Drummond de Andrade

Canção


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Canção da Plenitude


Não tenho mais os olhos de menina
Nem corpo adolescente, e a pele
Translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
Abrandada pelos anos e o peso os fardos
Bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)


O que te posso dar é mais que tudo
O que perdi: dou-te os me ganhos.
A maturidade que consegue rir
Quando em outros temps choraria,
Busca te agradar
Quando antigamente quereria
Apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
E juventude agora: esses dourados anos
Me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
E não menos ardor, a entender-te
Se precisas, a aguardar-te qando vais,
A dar-te regaço de amante e colo de amiga,
E sobretudo força - que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
Cujas marés - mesmo se fogem - retornam,
Cujas correntes ocultas não levam destroços
Mas o sonho interminável das sereias.


Lya Luft

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Assombros


Às vezes, pequenos grandes terremotos
Ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
Alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
Há vários esmagamentos.
Os mais íntimos
Já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
Em permanente assombro.


Affonso Romano de Sant'anna

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Soneto


Amo-te quanto em largo, alto e profundo

Minh’alma alcança quando, transportada,

Sente, alongando os olhos deste mundo,

Os fins do Ser, a Graça entressonhada.


Amo-te em cada dia, hora e segundo:


À luz do Sol, na noite sossegada.


E é tão pura a paixão de que me inundo


Quanto o pudor dos que não pedem nada.



Amo-te com o doer das velhas penas;


Com sorrisos, com lágrimas de prece,


E a fé da minha infância, ingênua e forte.


Amo-te até nas coisas mais pequenas.

Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,


Ainda mais te amarei depois da morte.



Elizabeth Barret Browning


(Tradução de Manuel Bandeira)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Confidência


Quero lhe falar
De tudo o que me aconteceu.
Dizer-lhe tantas coisas desse mundo meu
Quero lhe contar,
As ilusões e os sonhos meus,
Estão gastos, quase mortos
Não sei mais o que é amar!
Quero lhe mostrar
O lado bom que se perdeu,
E juntar os destroços,
E tentar me reencontrar.
De tanto ser só
Me acostumei, me acomodei.
Não sei mais ser cativo
Não sei mais me empolgar.
Quero lhe falar
As ilusões e os sonhos meus
Estão gastos, assim como eu.

Sérgio de Carvalho e Camargo

Minha Mãe


Minha mãe era uma criatura pobre,
Ainda mais pobre do que pensa o amigo.
Morrendo moça nem ceitil de cobre,
Jamais guardara para o seu jazigo.
Em cova rasa a que ninguém descobre
No chão anônimo de um cemitério antigo,
Nem cinza existe dessa alma nobre,
A cuja estrela, emocionado eu sigo.
Fraca, franzina, preta, apagada,
Viveu de sonhos, de esperança e fé,
Tombando jovem e a construir a estrada
Por onde eu houvera de a seguir de pé
Humilde, boa, carinhosa, meiga
Jamais clamara uma ofensa a Deus!
Como se fosse missionária leiga,
Tinha na fronte o esplendor dos céus.
Maneiras puras, intenções honestas,
Nem por brinquedo se esqueceu do lar.
As suas dores esplendiam em festas
Em holocausto de dever no altar.
E, suportando a uma penúria horrenda.
Ganhou do mundo um luminoso véu
Morreu sem mácula, sem perder a senda,
Que sai da dor para terminar no céu.

Theóphilo Fortunato de Camargo

JARDIM CREPUSCULAR


Quando chega o entardecer
E contemplo a Tua obra,
Minha alma se prostra aos Teus pés,
Em rendição.

Do meu Jardim Crepuscular
Feito para alegrar Teu coração,
Olho o sol se despedindo,
Diferente a cada dia.

Cada movimento é um Espetáculo Solene!
Cada cor, cada tom, cada contraste,
É um presente aos nossos olhos.

E enquanto vais jogando As Tintas da Sua Paleta,
Espalhando a beleza e a perfeição,
Te ofereço meu Aplauso Silencioso!

Olho o Teu Céu Juncado de Cores
E faço Contigo uma Parceria: A Fotógrafa e o Pintor!
E vou registrando Teus movimentos coloridos,
Teu Balé Celestial!

Assim continuo, Atingindo Corações,
Para quando chegar o dia da minha
Apresentação Final,
Eu possa dizer, sentindo a Carícia Celeste:
Missão Cumprida!

Lígia Regina Spengler, em 05/07/2004


*Este poema é muito especial para mim, pois ele foi feito em homenagem à minha mãe, Edith Spengler. Minha mãe é fotógrafa (começou a fotografar aos 72 anos) e faz lindas fotos de pores-do-sol. Ela já fez inúmeras exposições na sua cidade, Blumenau, e em Itajaí(SC). Cada foto da mamãe tem um título, e eu fiz este poema com os títulos das fotos dela (em branco).

**FOTO: BALÉ CELESTIAL by EDITH SPENGLER