quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Deve chamar-se tristeza


Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.

Sim, tristeza - mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.

Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Recôndito Impulso


Amadureço

na palavra

que amadurece.

Entre fibras, sangue, desejo,

que intumesce.

No amor

onde cresço, me acresço,

eis a messe.

Nivelar

é navalhar a liberdade.

E viver é longa estrada,

é recôndita vontade

dita e não dita:

vocábulo,

coágulo.

Amadurecer.

Lúcido,

lúdico.

Na maravilha.

Na armadilha.

Amadurecer no âmago.

O âmago amargo.

O amargo âmago, amado.

Amadurecer o âmago armado

do tempo esplêndido da alegria.

Mas também do tempo da amargura

que estraçalha

e desconfia.

Amadurecer.

A áspera saliência e rubra.

A macia maçã

do recôndito impulso.


Lindolf Bell

(do livro “O Código das Águas”)