segunda-feira, 19 de agosto de 2013

INVERNÁCULO


Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

Paulo Leminski


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

IMORTALIDADE



Como morrerás,
se o brilho dos teus olhos está gravado em minhas retinas?
Como morrerás,
se o som do teu riso e do teu pranto estão gravados em meus ouvidos?
Como morrerás,
se o toque das tuas mãos está tatuado na minha pele?
Como morrerás,
se as palavras da tua boca fizeram ninho no meu coração?
Como morrerás, se o teu coração pulsa na memória dos meus sentidos?
Como morrerás, se estás, para sempre, vivo em minhas lembranças?
Como morrerás, se a minha alma e a tua alma dançam na imortalidade do que é infinito?


(Lígia Spengler, 31/03/2006)

EU AMO TUDO O QUE FOI




Eu amo tudo o que foi
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.

Fernando Pessoa

domingo, 11 de agosto de 2013

FANATISMO



Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa... ”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim! ... ”

Florbela Espanca

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

DIA DA SAUDADE


30 DE JANEIRO

DIA DA SAUDADE

Saudade, palavra que só existe no idioma português.


Segundo o dicionário, Saudade é “lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de as tornar a ver ou possuir; pesar pela ausência de alguém que nos é querido; nostalgia”.


Uma notícia da BBC de Londres, publicada no UOL Notícias de 23/06/04, faz referência a uma lista compilada pela empresa britânica Today Translations, com as opiniões de mil tradutores profissionais, que coloca a palavra “saudade”, em português, como a sétima mais difícil do mundo para se traduzir.


Saudade!


João de Barro escreveu na famosa música que a saudade mata a gente. A saudade é dor pungente.


Fernando Pessoa diz que a saudade é a luz viva que ilumina a estrada do passado.


Para Pablo Neruda, Saudade é solidão acompanhada.


E Camões:

Aquela triste e leda madrugada,

Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.

Tantas pessoas já escreveram a respeito da saudade... Qual o poeta que nunca escreveu um poema com as tintas sangrentas da saudade? Quem nunca sentiu saudade? Saudade doída, cruel, que machuca. Saudade de alguém que está longe, de alguém que partiu e não sabemos quando vai voltar, de alguém que nunca mais voltará... Saudade por saber que nunca mais veremos, nunca mais abraçaremos, nunca mais diremos “te amo”.Saudade de um tempo que deixamos passar e não aproveitamos. Saudade de um amor que se perdeu...


Ou então, saudade boa, gostosa, que faz os sorrisos brotarem, o coração pulsar mais forte, aos solavancos...

Saudade de um tempo perfeito que nunca sairá de nossas lembranças, saudade do filho pequeno aconchegado em nossos braços, saudade da turma da juventude, saudade de um por-do-sol...


Mas só sentimos saudade de alguém ou de algo que marcou nossas vidas, que foi importante. E uma das coisas mais tristes do mundo é não deixar saudade em coração algum. A vida só vale a pena quando sentimos e provocamos saudade. É o indício de que nossa vida contou alguma coisa.

E são tantas e tão intensas as formas de sentir saudade.


Mas existe uma saudade que não identificamos muito bem. De onde vem? Que sentimentos provoca? Que cheiro suave nos traz? É a saudade de casa, do lar que deixamos para vir para este mundo. Do lar celestial. Saudades de algo que vislumbramos, mas não conhecemos. Saudades de um Deus que nos formou e nos espera. Saudades do nosso lugar.


Segundo Rubem Alves, a saudade é a nossa alma dizendo para onde quer voltar.


E o poeta português Jorge Rodrigues diz:

Tens saudade não sabes de que nem de quem... e isto não cabe em palavras...

Não são as saudades maiores que as palavras?

O que te co(move) são saudades de Deus.


FELIZ DIA DA SAUDADE...


Lígia Spengler

sábado, 1 de janeiro de 2011

MOTIVO



Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.


Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

- não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

- mais nada.


Cecília Meireles

domingo, 19 de dezembro de 2010

DISTÂNCIA


Quis o destino que a distância um dia
Abrisse em fenda o chão que nos unia
Quis tal destino o fim do nosso sonho
Precipitado em abissal medonho.

Se essa distância homérica enlouquece

É nesse abismo que minha alma desce
Envolta em minhas lágrimas doridas
E encontra as lágrimas por ti vertidas.

Mesmo distante uno-me a ti em pranto
Na angústia que nos priva de acalanto
Na busca da paixão que esta alma roga

Com fios destas lágrimas tecemos
O lago de saudade em que vivemos
O mar da solidão que nos afoga!

Oldney Lopes ©

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

PROCURO A PALAVRA PALAVRA


Não é a palavra fácil
que procuro.
Nem a difícil sentença,
aquela de morte,
a da fértil e definitiva solitude.
A que antecede este caminho sempre de repente.
Onde me esgueiro, me soletro,
em fantasias de pássaro, homem, serpente.

Procuro a palavra fóssil.
A palavra antes da palavra.

Procuro a palavra palavra.
Esta que me antecede
e se antecede na aurora
e na origem do homem.

Procuro desenhos
dentro da palavra.
Sonoros desenhos, tácteis,
cheiros, desencantos e sombras.
Esquecidos traços. Laços.
Escritos, encantos reescritos.
Na área dos atritos.
Dos detritos.
Em ritos ardidos da carne
e ritmos do verbo.
Em becos metafísicos sem saída.

Sinais, vendavais, silêncios.
Na palavra enigmam restos, rastos de animais,
minerais da insensatez.
Distâncias, circunstâncias, soluços,
desterro.

Palavras são seda, aço.
Cinza onde faço poemas, me refaço.

Uso raciocínio.
Procuro na razão.

Mas o que se revela arcaico, pungente,
eterno e para sempre vivo,
vem do buril do coração.


Lindolf Bell
em "O Código das Águas"

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

NO MEIO DA RUA



Hoje saí para tomar chuva.
Deixei a água do céu lavar minhas impurezas.
Deixei meu pensamento voar livre,
Enquanto a chuva molhava meu corpo.
E no meio da rua me despi
De preconceitos,
Anseios,
Receios.
No meio da rua me despi
Da brutalidade,
Vulgaridade,
Comodidade.
No meio da rua me despi
Da intransigência,
Incoerência,
Ambivalência.
Deixei-me ficar completamente nua,
Pois no meio da rua me despi
Da covardia,
Agonia,
Asfixia.
Quando voltei para casa
E me olhei no espelho,
O que restou
Era poesia.


Lígia Spengler

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

TORTURA



Não agüento mais viver este tormento,
Esta dor alucinante.
Anjos e demônios, em mim, guerreiam,
Duelando pelas minhas vontades.
Neste momento, sou espírito,
Daqui a pouco, posso ser pura carne.
Por isso, se numa hora te chamo,
Na outra, ordeno que partas.
Numa hora eu fujo assustada,
Na outra, saio louca ao teu encalço.
Essa dualidade me consome.
Essa tortura me mata,
Me deixa insana.
A te querer, prefiro a morte!
Mas que a morte seja nos teus braços!

Lígia Spengler